Seção Educação e Reflexão -
O Homem Disperso

 

Rafael Ruiz González
(Mestre em Direito - FADUSP)

 

Não há tempo a perder. Antes de mais nada, somos basicamente pessoas com muitas coisas para fazer: acordamos com pressa e, para acordar de vez, já ligamos o rádio; tomamos um café rápido enquanto ouvimos as últimas ligações registradas na secretária eletrônica; pegamos o jornal, antes de sair, e vamos "bicando-o" entre um sinal e outro...

Sim, temos pressa e, porque temos pressa, não temos tempo para ouvir os outros, não temos tempo para pensar nos planos futuros, nem nos problemas presentes nem nas experiências passadas, não temos tempo, enfim, para ouvir-nos a nós próprios.

É curioso observar como fugimos da paz e da tranqüilidade. Às vezes, enganamo-nos dizendo que toda essa agitação durante a semana é precisamente para conseguirmos um pouco de paz e de serenidade durante o sábado e o domingo. Nada mais falso. Basta chegar o fim de semana e, quase que instintivamente, mergulhamos na ensurdecedora melodia provocada pela tv, pelo cd, pelos vídeos ou pelos "games" (ou, ainda, pela pressão das provas...). Isso quando não nos dedicamos de corpo e alma a alguma tarefa que nos impeça de pensar durante um bom par de horas - como lavar o carro, por exemplo -, e, depois, descobriremos outra tarefa - talvez preparar um bom churrasco -, que nos resolva o que fazer nas próximas quatro horas e assim, hora a hora, vamos fugindo do silêncio. Como diz o jovem novelista nigeriano Ben Okri, quando o caos é o deus de uma era, a música esurdecedora é o principal instrumento da divindade.

Teríamos de reaprender a dar valor para o silêncio: esses momentos em que nos encontramos simplesmente a sós conosco próprios - sem micro, sem tv, sem walkman... - e podemos pensar nas questões verdadeiramente vitais para nossa vida: está certo continuar agindo daquela maneira com minha namorada? não seria bom ter uma conversa mais demorada com meus pais? é isso que eu queria quando entrei na faculdade? se continuar assim, serei feliz mesmo ou estou construindo uma cova para mim mesmo e para minha família?...

São perguntas difíceis de responder, cujas respostas não encontramos em nenhum programa de computador, porém, são absolutamente indispensáveis se não quisermos, mais dia, menos dia, tornar-nos homens e mulheres profundamente frustrados.

Por que não queremos parar para pensar? por que preferimos mil vezes ligar um som, tomar alguns drinques além da conta, carregar pastas de trabalho para casa, entediar-nos sistematicamente de vídeos ou de enlatados de tv?... Porque temos medo de enfrentar-nos com as respostas.

É curioso, mas a verdade é que temos medo de nós próprios ou, melhor, temos medo da voz da nossa consciência. É bem verdade que a nossa geração já foi educada de tal forma que pôde por muitos anos viver sem quaisquer preocupações com questões de consciência. Foram muitos os filósofos, sociólogos e psicólogos que se dedicaram a explicar-nos que essas questiúnculas não eram mais do que tabus; porém, acredito que há algo no mais íntimo de cada um de nós - ou, pelo menos, da grande maioria de nós - que ainda consegue escutar a voz da própria consciência.

E, a final de contas, por que é tão difícil encontrar alguns momentos de calma e silêncio para refletir e ponderar as coisas? Porque acabamos por deixar-nos dominar pela imaginação. A imaginação é uma força poderosa, criativa, capaz de abrir horizontes onde tudo parecia fechado, descobrir saídas "inimagináveis", mas também é capaz de manter-nos numa contínua agitação interior, numa constante ilusão, numa vertiginosa sucessão de imagens, sonhos e pensamentos desconexos - como se nosso interior fosse uma contínua programação da MTV - de maneira que, mesmo na solidão, não conseguimos estar a sós conosco mesmos.

Talvez por isso nossas reações são tão repentinas, tão sem pensar, tão sem sentido... É que poucas vezes paramos para perguntar-nos por quê fazemos o que fazemos, qual é o motivo dos nossos atos, o que queremos quando queremos... Enquanto isso, a vida passa, transcorre, acontece e nós mergulhamos na correnteza sem querer saber do porto de chegada. É bem verdade, como diz Pessoa, que "navegar é preciso", mas também é verdade, parafraseando o psicólogo austríaco Víktor Frankl, que se não sabemos onde queremos ir, dificilmente poderemos conhecer qual é o melhor caminho.

 Você é o leitor No.